Editorial - Aroeira maio/2011

Um príncipe se casou na Inglaterra; um papa tornou-se santo; a velha cruzada contra o mundo árabe se reinicia(1). Não fosse a cordial visita do bispo evangélico e bilionário, Edir Macedo(2), à posse da presidenta Dilma Roussef, para nos lembrar que estamos em pleno século XXI, podíamos empunhar de novo nossa velha foice e irmos à gleba labutar. Infelizmente, reviver a aura do antigo regime não é um privilégio do proletariado, mas sim da burguesia. Apenas ela é capaz de dar vida a uma farsa: o glamour burguês como simulacro da velha nobreza. O luxo do parasitismo revive seus gloriosos dias de segundo estamento(3), nos casacos de pele, nos brilhantes da Tiffany’s. Isso é visível de tal modo, que se o proprietário da Igreja Universal do Reino de Deu$ curvasse um pouco os olhos para baixo, mirando na direção do ombro esquerdo da presidenta, que não tem sangue azul, ou brasão de família, poderia reparar que ela carregava uma bolsa de mais de quatorze mil reais.
Quantas bolsas família cabem na bolsa da Dilma? A república não usa batina, tampouco corre em suas veias o sangue de Carlos Magno, mas, apesar disso, carrega uma cruz e uma espada dentro de uma bolsa feminina, que custa mais de vinte e cinco salários mínimos. A cruz do governo petista segue a doutrina da caritas. Quem ousa desdizer seus militantes quando apelam para a fome do povo, com aquela antiga retórica fundada no mais histérico sentimentalismo cristão? Sem amor, um partido pequeno burguês nada seria! O partido dos trabalhadores tem um quê de santa sé: chora a miséria, com a bunda assentada em muitas toneladas de ouro, que logo terão alguns míseros gramas convertidos em esmola. Disse a formiga magra ao pé da mesa: Se a migalha é desse tamanho, imagine o pão! E não é que ela estava certa? Para esparramar migalhas no chão do trabalhador, o governo petista fez crescer o pão do capital. Quanta benevolência! Mas a razão de estado tem razões que a própria razão desconhece, pois nem só de pão vive um capitalista, e nem só de amor vive um partido pequeno burguês. Daí que o PT não se esquece da espada que carrega. Além de seguir as encíclicas papais, procura também seguir a Ordem da Cavalaria, levantando-se em defesa de seus suseranos, o agronegócio, os bancos, as transnacionais, as comodities, os coronéis do PMDB, pronto para dissolver qualquer jacquerie(4) que possa arrepiar a peruca do duque de Belo Monte, Eike Batista, ou de qualquer outro fidalgo financiador de campanhas eleitorais. Para além da paixão de cristo, seu dever é propagar a razão d’O príncipe. (5) A rainha Dilma enfia a mão em sua luxuosa bolsa de R$ 14.000,00 e saca inúmeras outras bolsinhas(6),que serão distribuídas aos servos do capital. Dias depois, ela retira da mesma bolsa não mais outras pequenas bolsinhas, mas uma espada afiada, que irá cortar as cabeças dos mesmos servos, como ocorreu na revolta dos trabalhadores de Jiral. A mão que bate é  a mão que afaga, ou a mão que afaga é a mão que bate?(7)
Que bom seria continuar a dividir o Brasil em feudos, pelo resto do texto! Podiamos ficar aqui por horas a fio, conferindo aos barões do capital os seus ducados, marcas, condados, viscondados. Todavia, se um bispo evangélico multimilhonário é capaz de nos remeter cordialmente ao século presente, alguns outros fatores fazem isso de forma impiedosa, nos arrastando para cá com a força de um tsunami. Ao pensarmos na tecnologia que levou a classe média à lua, dentro dum foguete chamado governo Lula(8), ao pensarmos na criação do novo partido da direita no Brasil, o PSD, que declarou ainda não saber se é de direita ou esquerda (!), e além, ao pensarmos na crise econômica européia, que dissolverá de vez o estado de bem estar social, nas revoltas do mundo árabe, com a possível ocupação da Líbia pela OTAN, percebemos os limites de uma farsa. A ordem burguesa é desgraçadamente capaz de criar seu próprio tempo, com suas próprias indumentárias, seus próprios estandartes, seus próprios rituais, superando imitações épicas, e construindo um mundo que transita entre o romance de alcova e o surrealismo kafkiano. Um mundo de príncipes inglórios, de papas descrentes, de guerras petroleiras, onde casamentos waltdisneyanos encobrem com o manto real uma crise no seio do capitalismo, onde a beatificação de um papa não passa de uma propaganda para avolumar o decrescente número de católicos, onde a suposta morte de um árabe “terrorista” é somente um incentivo a invasão da Líbia.
A única motivação da ordem burguesa é a manutenção das taxas de lucro. Todo resto é engodo, todo resto é farsa. A monarquia inglesa, a igreja católica, as “guerras contra o terror”, ou contra a tirania, e num lugar mais próximo, as igrejas evangélicas, o partido dos trabalhadores, os Delfins(9), os Sarneys, movem-se em marcha célere, rumo à manutenção do status quo. É preciso encarar tal realidade de frente, partindo de armas e coração ruma à batalha. Tamanha tarefa não é das mais fáceis. Quase tudo culmina contra a classe trabalhadora, que não vive seus melhores dias de luta. No entanto, enquanto houver estrondos de contradições, nosso grito se fará mais alto.
Resistir e lutar, unindo as forças da esquerda revolucionária, contra o furacão do imperialismo, contra o vórtice do capital, rumo ao socialismo, rumo à abolição da sociedade de classes, é uma necessidade real e urgente, que se faz notória a cada instante. Por isso, clamemos novamente as velhas palavras: trabalhadores do mundo todo, uni-vos!
Os editores





(1) A “guerra ao terror” venceu mais uma batalha, convencendo o mundo da morte de Osama Bin Laden. No entanto, o cadáver nem sequer foi apresentado. A morte de Osama tornou-se propaganda para Obama e para o imperialismo em geral. Neste momento, o apetite voraz das grandes corporações concentra-se na Líbia, de Kadafi. A possível morte do chefe da Al Qaeda vem fortalecer o grande capital imperialista.
(2) A disputa presidencial de 2010 trouxe-nos ao menos uma pérola: bispo Macedo, ali, onde antes só havia chefes de estado. Emergentes da política (PT) e emergentes da fé (igreja univer$al), juntos, disputam com tradicionais famílias burguesas e católicas a fatia do bolo cortada pela mão que maneja a faca-estado. As tradicionais famílias rosnam em vão, por meio de seus veículos de imprensa (globo, estadão, folha, etc.). As famílias emergentes rosnam em resposta, através da rede record. Emergentes levam a melhor e o povo fica com a certeza de que o próximo capítulo de sua novela predileta, seu endividamento terreno via crédito, assim como sua salvação pós-morte, dessa vez estarão assegurados. Amém pessoal! 
(3) Nobreza, no antigo regime.
(4) Rebeliões camponesas nos anos de 1358, que foram logo reprimidas pela nobreza.
(5) De Nicolal Maquiavel
(6) Atualmente, o valor mínimo da bolsa famíla é de R$68,00, e o valor teto é de R$200,00. A média do valor é de R$134,00. Sendo assim, a bolsa de R$ 14.000,00 da presidenta Dilma poderia engravidar de 104 bolsas família de uma só vez.
(7) No caso do partido dos trabalhadores, a ordem cronológica da ação interessa a uma camada da esquerda, tanto quando interessava a Bentinho a possível transformação de Capitu – coisas da pequena burguesia! (...) O resto é saber se a Capitu da praia da Gloria já estava dentro da de Matacavalos, ou se foi mudada naquela por efeito de algum caso incidente Jesus, filho de Sirach (...)*.Intriga de menor importância, que se fecunda no ventre da social democracia (PSOL e outros mais), ainda inconformada com aquilo que chama de traição. O socialismo revolucionário sempre soube: o PT do Palácio do Planalto já estava dentro do PT do pátio do colégio.
*Dom Casmurro, Machado de Assis.
* Nicolau Maquiavel
(8) E que está prestes a voltar de lá, justamente quando a inflação volta dos infernos.
(9) Delfim Neto, ministro da fazenda da ditadura militar, que declarou em entrevista: A empregada doméstica não existe mais. Está desaparecendo. Quem teve esse animal teve. Quem não teve, nunca mais vai ter.


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