Cinema dos Povos: Só Dez Por Cento é Mentira


De poeta e louco todo mundo tem um pouco. Manoel de Barros tem um muito (de um e do outro). Foi o próprio quem disse que poderoso é o homem que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas), elogiado de imbecil pela sentença, ficou emocionado, porque é fraco para elogios.

Poeta da pena torta, Mané de Barros vive no Pantanal com seus 96 anos e sua poesia da insignificância. E penteia garças. E carrega água na peneira. E toma sombra de árvore carregada de passarinhos. E esfrega nuvem. E encera lombo de caracol. E faz castelos de barro. Porque, como ele diz: “1) É nos loucos que grassam luarais; 2) Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua.”

As coisas coisificadas tem que ser descoisadas. A poesia da insignificância do Mané do Pantanal é significativa exatamente por isso: o poeta é um descoisador.

Quem de poeta e louco tiver um muito, ou um pouco, está convidado a assistir a película Só Dez Por Cento é Mentira, que é uma desbiografia do poeta Manoel de Barros, e mostra, sobretudo, seu processo criativo. Será assim: primeiro a película, depois bate-papo e por fim um semi-sarau. Três em uma. Numa quase oficina de troca e criação literária. Os expropriadores dos meios de produção de arte devem ser expropriados. A arte é do povo como a praça é dos pombos.

Só Dez Por Cento é Mentira.  2009. Duração: 76 minutos. Direção e roteiro: Pedro Cezar.

Sábado 15.06.2013 às 16h.

Rua Silveira Martins, 131, sala 11, Sé, São Paulo/SP.


Pintura de Manoel de Barros



 AUTORETRATO

(Manoel de Barros)

Ao nascer eu não estava acordado, de forma que
não vi a hora.
Isso faz tempo.
Foi na beira de um rio.
Depois eu já morri 14 vezes.
Só falta a última.
Escrevi 14 livros.
E deles estou livrado.
São todos repetições do primeiro.
(Posso fingir de outros, mas não posso fugir de mim.)
Já plantei dezoito árvores, mas pode que só quatro.
Em pensamento e palavras namorei noventa moças,
mas pode que nove.
Produzi desobjetos, 35, mas pode que onze.
Cito os mais bolinados: um alicate cremoso, um
abridor de amanhecer, uma fivela de prender silêncios,
um prego que farfalha, um parafuso de veludo etc etc.
Tenho uma confissão: noventa por cento do que
escrevo é invenção; só dez por cento que é mentira.
Quero morrer no barranco de um rio: - sem moscas
na boca descampada!


Desenho de Manoel de Barros 

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