Conversa com um homem:
— Qual é o nome desse rio?
Esse rio não tem nome, dizemos simplesmente iya ithabï.
— Quais são as fronteiras de sua terra?
De Altamira ao Morená, este rio é nossa terra.
— O que quer dizer seu nome?
Nosso nome, Yudjá, nós o temos porque somos deste rio, nós outros fomos criados
neste rio.
(Lima, Tania S.)
Restaurantes lotados de homens de macacões azuis. Lotados.
Só homens. E o preço do PF, altíssimo! Por esse preço dava até para imaginar que
almoçava em São Paulo, não fosse o fato de eu e a cozinheira sermos as únicas
mulheres em meio a vários homens de macacões azuis. Nesse dia comecei a
visualizar a modificação no azul da cidade.
Estava em Altamira (PA), a cidade mais próxima de um dos
maiores empreendimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do
governo federal: a usina de Belo Monte. Belo Monte de concreto. E de dinheiro.
Quando concluída, será a terceira maior usina hidrelétrica do mundo, com investimentos
totais estimados em mais de R$ 28 bilhões. Imbuída dessas informações foi que
compreendi o elevado preço do PF ofertado aos homens de macacões azuis.
É difícil circular pela cidade, totalmente em obras. Há
ruínas por todos os lados. Parece que a cidade enfrentou uma guerra, que foi
devastada pelo inimigo. Mas os outdoors gigantescos e higiênicos da Norte
Energias nos esclarecem que “Desculpe o transtorno, estamos trabalhando para
uma Altamira melhor – Obras de saneamento básico fase II” ou “Esta área será
inundada”, porque “Quem quer o Brasil crescendo se liga em Belo Monte”. E o
inimigo se dissolve na nuvem de poeira da britadeira constantemente ligada.
Nesse momento já estava super “ligada” em Belo Monte.
E na esquina, uma ponte. Alta. E Lá embaixo pessoas morando,
ainda. Entre escombros e casas moribundas, sem vizinhos. A máquina vai passar
ali em poucos dias. Vai passar por cima. Essas pessoas vão ter que morar a quilômetros
de distância do centro. Quase 50,00 reais a corrida do taxi! Podem também sentar
e esperar...e esperar...e esperar os poucos ônibus que passam. E tem gente,
como a Pedrosa, do mercadão, que não recebeu a indenização e ainda foi acusada
de oportunista “por aquela moça metida a besta da usina”. É que ela não sabe da
missa um terço. Pedrosa me contou um terço do terço e já achei a moça besta
mesmo. Sacana mesmo. Pedrosa precisa da indenização, ou a condição sua e de
seus 4 filhos vai ficar ainda pior. Os alugueis em Altamira estão tão
inflacionados como os PFs, com a diferença de estarem na casa dos mil. E para
quem nem casa tem, quiça mil...
Ainda tem os indígenas. Mais de dez povos. Os investimentos
para que estes fossem “recompensados” pela perda de suas condições atuais de
vida está na casa dos milhões. Tudo desordenado. Capital recuperável em poucos
meses de funcionamento da usina. Mas o ambiente se manterá por muito tempo
destruído, com perdas irrecuperáveis de fauna, flora e estilos de vida em
sociedade. Para os Yudjá o rio é sua terra. Sendo assim, o povo do rio terá sua
terra modificada drasticamente. Nesse momento, já no meio da viagem, senti o
peso da turbina: 320 toneladas, só o rotor (fonte: norteenergiasa.com.br).
Mas, umas esquinas adiante conheci Toninha, grande lutadora.
Ela discute sobre Belo Monte há mais de 20 anos! Me contou que Altamira sempre
foi assim, sempre atravessada pelos projetos nacionais de progresso a qualquer
preço, como a Transamazônica dos anos 70. Me disse também que não se sente
derrotada em ver a usina em construção, pois o caminho foi longo e vários
obstáculos foram superados. Hoje atua em uma associação que trabalha a
violência contra as mulheres, que aumentou, e muito, em Altamira. E sua luta
continua.
E depois dela conheci o pessoal do MAB (Movimento dos
Atingidos por Barragens) e do Sarau Marginal, e o taxista com boné cubano, os
Juruna, os Yudjá, e então senti a necessidade de ajudá-los a dizer aos quatro
cantos do país que ALTAMIRA RESISTE! E que a luta não acabou porque a usina
será feita. Até porque não é somente esta. Há muitas outras prontas. Há muitas
em construção. Há outras tantas em planejamento. São 5 projetos de usinas só
na bacia do Rio Tapajós. E a cada nova obra a necessidade de lutar se faz
presente e nos une...
E quando as usinas estão prontas? É quando começam os
problemas previstos por quem tentou barrá-las. Basta vermos o que aconteceu
recentemente no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), cidade linda e,
agora, inundada. Basta olharmos as florestas que antes das barragens conviviam
com seus rios e em seguida vê-las afogadas neles. Basta conhecermos a história
de tanta gente que espera até hoje o cumprimento das promessas feitas pelas
empreiteiras. E de gente que já está sendo barrada de ter sua terra reconhecida
antes mesmo do funcionamento da primeira turbina da hidrelétrica que em sua
região será construída. Tem gente que será inundada pela usina. Tem gente que,
para os capitalistas, vale menos que a turbina. É preciso barrar as barragens.
K.
Leia, assine e divulgue o manifesto de autodemarcação dos Munduruku:
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