Notas sobre o levante brasileiro



O povo tomou as ruas do Brasil. O que era difícil de imaginar aconteceu. A burguesia e seus serviçais foram forçados a reduzir as tarifas do transporte nas principais cidades do país. Depois de duros enfrentamentos contra as polícias do Estado capitalista, as tarifas baixaram. E o povo continua nas ruas. Os donos do poder perderam o sono, o povo acordou. 

Difícil determinar, se é que possível, por que as manifestações explodiram exatamente no final do primeiro semestre de 2013. O povo está nas ruas, mas a insatisfação está no ar há tempos. Desde Cabral e da invasão européia, e não sem resistência, a história do Brasil tem sido escrita com chacinas, massacres, assassinatos, covardia, exclusão e desigualdade. Por exemplo, nos últimos meses aconteceram repetidas chacinas contra moradores das periferias de SP, quase todas não esclarecidas e com fortíssimos indícios de participação de grupos paramilitares; a violência policial contra a população dos morros do RJ é diária; e assim sucessivamente. 

As manifestações começaram lutando contra o aumento das tarifas e cresceram à medida que a polícia reprimiu a população. É importante reter esses dois fatos: o aumento da tarifa e a repressão policial. O aumento das tarifas está diretamente relacionado às privatizações e às máfias dos transportes. Nos anos 90 o neoliberalismo começou a promover a privatização dos serviços públicos, repassando apetitosas fatias de mercado para tubarões e piranhas capitalistas. As máfias dos transportes são filhas das privatizações e do sucateamento dos serviços públicos. Os planos de saúde, as desinstituições de ensino superior e as rodovias privatizadas são gêmeos siameses das máfias dos transportes, são as filhas e os filhos do neoliberalismo e das privatizações. Entretanto, apesar das presas afiadas, tubarões e piranhas capitalistas não são capazes de se manterem sozinhos, é aqui que entram as polícias. Curiosa contradição neoliberal, ao mesmo tempo em que apetitosos serviços públicos são fatiados e oferecidos à voracidade privada, o osso fica para o Estado capitalista, que deve investir cada vez mais em repressão e polícias. E assim tem sido. Porque a carne precisa do osso. Ou dito de outra maneira, tubarões e piranhas capitalistas chuparam o Estado até o osso. Se é assim, podemos dizer que é o modelo privatista e excludente que está sendo contestado pelas ruas, ainda que não de forma totalmente consciente. O aumento das tarifas foi a faísca e é apenas uma parte do sistema, a repressão policial é a viga de sustentação do todo. Não à toa, rechaça-se também a Copa e os estádios superfaturados, outra face da moeda neoliberal, que enriquece poucos com o suor de muitos. 

O modelo privatista tucano-petista está em xeque no Brasil. No governo tucano o povo entrou pelo cano, no petista também. O primeiro defendeu abertamente as privatizações e os interesses burgueses; o segundo tentou disfarçar as presas dos tubarões e das piranhas, mas a voracidade é a mesma. Tucanos privatizaram as telecomunicações, as hidrelétricas, as rodovias, a Vale etc. Petistas privatizaram e estão privatizando o que sobrou: aeroportos, portos, poços de petróleo etc. Apetitosos bifes para burguesia, pão com ovo para o povo. Bilhões do BNDES para os grandes capitalistas, crédito consignado para a população se enforcar. Isenções fiscais para a indústria automobilística entupir os bolsos e as ruas com carros financiados. Bilhões arrecadados pelas máfias dos transportes para transportar o povo amassado como paçoca. Universidades e planos de saúde privados, caros e de péssima qualidade. Financiamentos e isenções para o agronegócio, a tropa de choque para expulsar indígenas e quilombolas de suas terras. Financiamentos e isenções para o agronegócio colocar alimentos caros e cheios de agrotóxicos nas mesas dos trabalhadores. Bilhões de reais para pagar juros aos banqueiros, migalhas para a saúde e a educação da população. Toneladas de reais para construir estádios, quase nada para a seguridade social. Tudo temperado com o molho da corrupção, porque a corrupção é o lubrificante das engrenagens capitalistas. Petistas alegam que povo foi inserido na sociedade de consumo, e por isso não entendem a revolta das ruas, eles não vêem, ou não querem ver, que a revolta é justamente contra a mediocridade da sociedade de consumo. A exceção é a pequena burguesia geneticamente tucana, egoísta e semi-fascista que habita principalmente as regiões nobres da cidade de São Paulo, esta quer consumir e não quer que o povo consuma, e reclama dos aeroportos que viraram rodoviárias e da superlotação do shoppings, seu horizonte é tão estreito quanto o dos bairros verticalizados de SP, como Higienópolis e Itaim Bibi. 

É estranho ver o povo nas ruas xingando a Rede Globo e cantando “sou brasileiro com muito orgulho...” Mas a famigerada rede de televisão sempre espremeu o imaginário popular entre o “sou brasileiro com muito orgulho” e a “vinheta de vitória brasileira na fórmula 1”. O verde-amarelismo que aparece nas ruas causa estranhamento. Mas como não seria assim? Expropriado de todos seus símbolos, valores e heróis, o povo tenta se unificar com o pouco que encontra. Também no Argentinazo de 2001 mulheres e homens tomaram as ruas com as cores da pátria. Também no Egito se vêem bandeiras nacionais na Praça Tahrir. 

Eleito em 2002 pela bandeira da mudança, o petismo respondeu com mais do mesmo: corrupção, capitalismo, privatizações e outras tucanalhices. A esperança, que devia vencer o medo, foi se transformando em mesmice e náusea. Então é compreensível o rechaço das ruas às bandeiras de todos os partidos. Cabe à esquerda de verdade restabelecer a verdade. No PT os trabalhadores ficaram só no nome, o resto são acordos e interesses inconfessáveis. A direita ardilosa foi às ruas sem suas bandeiras e tentou direcionar o rechaço popular contra a esquerda revolucionária, confundindo-a com o petismo, mas essa manobra tem limites, porque a direita não vai poder ocultar suas bandeiras reacionárias para sempre. Além disso, à medida que surgem assembléias populares e outros fóruns de discussão e construção do movimento, a direita vai ser forçada a recuar ou combater no campo que lhe é mais inóspito, o das idéias. 

Setores burgueses, como a famigerada rede de TV, tentam impor a pauta moralista e vazia da luta contra a corrupção, como se o problema fosse intrinsecamente petista, a manobra tenta abrir as porteiras para o retorno tucano na próxima eleição. A pequena burguesia geneticamente tucana bate palmas para a manobra. Mas a pauta da corrupção é tão moralista quanto vazia, é um argumento manco e burro, para haver corruptos precisam existir corruptores, e quem são estes senão os burgueses interessados em apetitosos nacos de benefícios. Para cada político corrupto há um burguês corruptor, este é o limite do argumento da famigerada rede do plim-plim, é a verdade que deve ser revelada. 

A esquerda revolucionária precisa dar materialidade aos gritos difusos que vêm das ruas, politizando as afirmações e as recusas. A redução das tarifas deve ser garantida contra as máfias dos transportes, deve sair do bolso dos capitalistas e não de isenções fiscais. É preciso denunciar que quase metade do orçamento público é empregado para pagar juros e amortizações da dívida pública; enquanto quase nada sobra para a saúde, educação, cultura, assistência social etc. A luta de classes é o motor da história. Foi dada partida no motor. Avançaremos se conseguirmos mobilizar os batalhões da classe operária e das periferias, construindo o poder popular nos bairros e locais de trabalho. A história é nossa, e será escrita nas ruas, com luta. As manifestações de 2013 serão, no mínimo, o prelúdio dos grandes enfrentamentos que virão com os megaeventos e a crise do capitalismo. É hora de sonhar. É hora de lutar. 

 Julho de 2013, 

 Espaço Cultural Mané Garrincha

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