QUE AS CRIANÇAS CANTEM LIVRES SOBRE OS MUROS


- hoje milhões de crianças dormirão na rua, nenhuma delas é cubana – outdoor no aeroporto em Havana, quando da visita do então Papa João Paulo II em 1998.

O título do que aqui se fala é um verso de uma canção de Taiguara, inscrito em uma das paredes de nosso Espaço e mesclado com o registro colorido de mãozinhas companheiras, tratando-se, para nós, de verdadeira profissão de fé.

Da fase infantil humana nos vem o improviso, o sonho vivido e não teorizado, a curiosidade para um mundo que se apresenta frente aos olhos, o puro exercício da liberdade sem fardas, batinas, ternos, vestidos, cifrões e outros cárceres mais. Ser criança é poder girar em círculos sem crenças geométricas cartesianas. Girar até cansar, depois dormir sono gostoso e despreocupado, repor energia para de novo despertar e girar novamente. Feito Garrincha ao redor da bola, indiferente ao arbitrário cronômetro, indiferente ao gol, indiferente ao marcador que se estatela no chão. Feito Carlitos a chutar rígida bunda de guarda que a tudo proíbe. Ser criança é dizer sim, apesar de um mundo que diz não!



Mas, teimosamente, como toda criança marota, deve-se viver a infância plenamente, senão, quando adultos, agiremos infantilmente quando a vida nos convidar à razão.  Senão, em vez de adultos seremos gulosos, quando apenas deveríamos comer para viver. Seremos obesos, enquanto o dono do big-mac será feliz com tanto dinheiro. Odiaremos ao próximo, separados que fomos por muros e pátrias. Nossa raiva manifesta nos fará belicosos, para alegria do fabricante de armas. Nosso amor será o de posse, não o de compartir com o outro sexo, oposto ou não ao nosso. Por isso mesmo, cuidemos melhor dos pequeninos de hoje, homens e mulheres de amanhã.

Cuidemos para que os baixinhos, com suas roupas sexy e pseudo-infantis, mas que tiveram e têm suas peraltices reprimidas, não sejam meramente fontes de lucro de uma gente negociante e munida de supostos programas infantis. Cuidemos em negar o ‘vinde a mim as criancinhas’, não o de quem ensinou a não fazer mal aos pequeninos, mas os dos desejos inescrupulosos que se ocultam por detrás das tantas batinas de homens que pregam a boa aventurança em um futuro depois da vida e, cheios de ódio, amaldiçoam o presente da humanidade. Cuidemos mais.

Cuidemos para que o café e o chá da nossa manhã não seja fruto de trabalho infantil, refém de alma escravocrata que atravessa e marca, a ferro e a fogo, o dorso dos mais de cinco séculos de nosso país, pagando baixos salários e praticando trabalho escravo, ali, onde a lei é caolha.

E não fiquemos indiferentes ao tipo de educação que está reservada à maioria de nossas crianças, todas elas continuamente aprovadas, semi-alfabetizadas, garantidas enquanto mão de obra barata, sempre a estimular o salivar da língua patronal.

E se o lucro produz saliva, o capitalismo tornou o mundo uma grande baba. Empresários, bons e maus samaritanos, babam por músculos, suor e sangue alheio. E não fica só nisso, não! Seus capitais formam um todo homogêneo nas bolsas de valores em ações conjuntas com outros investimentos de homens que também salivam por olhos, fígados, rins, coração e outros componentes anatômicos humanos afins. Eis aqui a dureza de uma parte da monstruosa empresa de seqüestros de crianças. Crianças pobres, sem dúvida! Umas, de corpo todo, são vendidas a casais endinheirados. Outras, compradas em fatias, têm seus órgãos juvenis retirados e implantados em corpos daqueles que se julgam senhores de tudo e de todos. O primeiro caso perfaz a cultura burguesa civil e, nos casos mais drásticos, os genitores foram mortos e o recém nascido adquirido como se adquire um animal para estimação, o que os militares durante sua ditadura na Argentina, com a benção da Santa Madre Igreja e da Liberdade da América para os americanos, souberam fazer com maestria. O segundo caso, independente da vontade (não seria complacência?) de governos, civil ou militar, continua a alimentar a indústria de órgãos. E se ousamos falar aqui em indústria de órgãos é porque estamos cônscios que tais retiradas e implantes dos mesmos não se fazem em hospitais públicos, mas em clínicas luxuosas, especializadas, onde pobre só entra para limpar e servir cafezinhos. 



É por defender a humanidade, por defender o direito de ela sonhar, de cada adulto poder cultivar a criança que traz consigo, sem, contudo, infantilizar-se pela vida afora, que aqui nos somamos com todo aquele e aquela que luta pelo retorno de seus pequenos entes queridos, que um dia tiveram suas infâncias ceifadas somente para dar lucros a uns e prorrogar a saúde e a vida de outros. A todos esses e essas que carregam suas incomensuráveis dores oferecemos nosso ombro amigo e os convidamos para uma luta sem tréguas contra aquele que estimula a cobiça de coisas e de gente, o capitalismo e sua propriedade privada!

Outubro de 2013

   Espaço Cultural Mané Garrincha

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