Havemos de amanhecer. O mundo
se tinge com as tintas de
antemanhã
e o sangue que escorre é doce,
de tão necessário
para colorir tuas pálidas
faces, aurora.
(Carlos Drummond de Andrade)
Como nossos
sonhos nunca couberam nas urnas, não temos pesadelos com elas. Nosso voto é
nulo!
Dilma
(PT) e Aécio (PSDB) não são exatamente iguais, mas são, ambos, neoliberais, são
defensores do capital disputando o cargo de facilitador de extração de mais
valia. Então, temos uma rima, uma constatação e, sobretudo, um desafio:
combater o capital e seus gestores com ação direta, nas ruas, nos bairros, nos locais
de trabalho, no campo, nas universidades, nas escolas. A luta popular fez
baixar as tarifas dos ônibus em 2013, pelo mesmo caminho podemos e devemos continuar
avançando agora e nos próximos anos. Nas urnas, neste momento, não é possível combater
o capital e a burguesia, tanto Dilma quanto Aécio estão do mesmo lado e
defendem os mesmos interesses inconfessáveis. Por isso votaremos nulo e, pela
mesma razão, elegemos as ruas como campo de enfrentamento contra o capital e
seus gestores.
De FHC a
Dilma passando por Lula, os pilares do neoliberalismo não se alteraram, foram
mantidas as metas de inflação, o superávit primário e as privatizações. Lula
teve mais sorte que FHC e Dilma, o ex-sindicalista surfou na onda da elevação
dos preços dos produtos primários, causada pela demanda crescente da China. Este
fato inusitado – nunca antes visto na
história deste país – deu algum fôlego para Lula distribuir migalhas recolhidas
no pé da mesa do capital. A teoria econômica ensina que os produtos primários
perdem valor em comparação com os produtos manufaturados, o período de Lula no
poder é a exceção que confirma a regra. Nos últimos anos os preços dos produtos
primários diminuíram, o que era tsunami virou marolinha, e Dilma morreu na
praia. Sem os saldos positivos da balança comercial, devido à redução dos
preços das commodities, a política petista de expansão do crédito deu com os
burros na água da marolinha. O crescimento do crédito não acompanhado de
investimentos para ampliar a capacidade produtiva termina sempre em inflação.
Como não poderia deixar de ser, os preços têm subido e engolido o poder de
compra dos brasileiros. Sendo assim, ganhe Dilma ou Aécio, 2015 vai começar com
elevações das taxas de juro, cortes de gastos, arrocho salarial e outros
ataques aos trabalhadores. Também por isso defendemos o voto nulo e o
fortalecimento da luta direta. Só assim poderemos lançar a conta da crise para
a burguesia e seus gestores.
Muito se
falou na política externa petista, que teria reorientado as exportações
brasileiras principalmente para China, reduzindo a influência dos EUA. Ocorre
que este movimento se deve muito mais à demanda do mercado internacional do que
a uma decisão consciente do governo brasileiro. Exatamente por ser uma demanda da
economia internacional, um futuro governo do PSDB não alterará o destino das
exportações nacionais. Mais que isso, ao aceitar o papel de vendedor de
matérias primas, principalmente para a China, o país promove o agronegócio mais
predatório, assassinando rios e matas, indígenas e quilombolas, trabalhadoras e
trabalhadores do campo. No governo Dilma aumentaram os desmatamentos, os danos
causados por barragens, a reforma agrária não avançou, praticamente não foram
criadas Unidades de Conservação Ambiental e, para borrar ainda mais a tela,
cresceram os ataques a quilombolas, camponeses e indígenas. Esse quadro de
barbárie no campo tende a se aprofundar em 2015 com o PT ou o PSDB, já que ambos
apoiam e são apoiados pelo agronegócio. Numa conjuntura em que os preços dos
produtos primários desceram das nuvens, a busca pela reposição dos lucros do
agronegócio vai significar cada vez mais ataques aos trabalhadores rurais,
indígenas, quilombolas e ao meio ambiente. Com Dilma ou Aécio, 2015 promete
mais desmatamentos, mais assassinatos e mais agrotóxicos no campo brasileiro. Porque
PT e PSDB promovem e promoverão a barbárie no campo, votaremos nulo. Não dá
para votar em Dilma e defender a luta de quilombolas, indígenas e camponeses. O
mesmo vale para Aécio. O Brasil carece de uma reforma agrária capaz de promover
o desenvolvimento sem prejudicar o meio ambiente, os latifúndios dominados pela
monocultura devem ser expropriados em benefício da produção de alimentos livres
de agrotóxicos nocivos à saúde humana e ao meio ambiente. A alta dos preços dos
alimentos tem muito a ver com a estrutura agrária brasileira, que desvaloriza a
produção de alimentos em nome dos latifúndios e suas monoculturas de
exportação. Além disso, a solução de boa parte dos problemas urbanos passa pela
ocupação racional do campo. O inchaço das grandes cidades é o reflexo direto da
expulsão dos trabalhadores rurais de suas terras. Porque sequer consideram os
reais problemas do campo brasileiro, não faz nenhum sentido votar em Dilma ou
Aécio. O único caminho possível para a esquerda revolucionária é fortalecer a
luta de indígenas, quilombolas e trabalhadores rurais contra o agronegócio e
seus gestores, sejam estes do PT ou do PSDB.
A PM que reprime
na inchada cidade de São Paulo a mando do PSDB é tão violenta quanto a força
nacional que reprime no interior do país a mando do PT. Uma e outra são aparelhos
repressivos estruturados para combater trabalhadores e garantir a mais valia do
capital. O exército que reprime nas favelas do Rio de Janeiro é o mesmo que
reprime o povo haitiano, com o consentimento e o apoio do petismo, que almeja
uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU para o Brasil.
Nas
cidades a perspectiva não é menos complicada do que no campo. Para recompor
suas taxas de lucro, o capital avança sobre os trabalhadores. Arrocho salarial
e desemprego virão acompanhados de precarização e aumento da exploração no
trabalho. A especulação imobiliária e o aumento das taxas de juro tornarão cada
vez mais irrealizável o sonho da casa própria, e cada vez mais presente o
pesadelo dos despejos e reintegrações de posse. Também aqui não há diferenças
entre PT e PSDB. O próximo governo tem cheiro de gás lacrimogêneo.
Outro
ponto chave sequer tocado pelo PT e pelo PSDB é a dívida pública. O orçamento
nacional previsto para 2015 é de R$ 2,86 trilhões de reais¹. Deste total, R$
1,36 trilhões serão usados para pagamento de juros e amortizações da dívida
pública. Ou seja, 47,55% do orçamento serão creditados nos bolsos dos
banqueiros. É esse coleguismo do Estado com o sistema financeiro que explica o
crescimento exponencial dos lucros dos bancos nos últimos 20 anos. Cada aumento
de 0,25% na taxa de juros da economia significa muitos bilhões a mais na conta
dos banqueiros. O que FHC, Lula e Dilma fizeram com a dívida pública? Emitiram
cada vez mais títulos para engordar os bolsos de banqueiros e outros agiotas
legalizados. É sintomático que o tema dívida pública sequer apareça nas
campanhas e debates. O que PT ou PSDB continuarão fazendo em 2015? Mais do
mesmo: cortes e enxugamentos para engordar os pagamentos de juros da dívida
pública. Este é o eixo fundamental que une e iguala PT e PSDB. E é também por
isso que votamos nulo. Não tem sentido escolher um dos dois candidatos
comprometidos, fundamentalmente, com a transposição de recursos públicos para
os bolsos dos banqueiros. A luta pelo não pagamento da dívida pública só pode
vir das ruas.
Para 2015,
os orçamentos previstos para a saúde e educação são de R$ 109 e R$ 101 bilhões,
respectivamente. Ou seja, os gastos previstos para saúde e educação correspondem,
pela ordem, a 8,01% e 7,26% do que será gasto com juros e amortizações da
dívida. Faltam escolas e hospitais de qualidade no país, para tê-los e
mantê-los, é preciso investir e, para isso, é preciso mudar a bisonha estrutura
orçamentária brasileira, que lança quase metade dos recursos públicos nos
bolsos dos banqueiros. A luta por mais saúde e educação é inseparável da luta
contra a dívida pública. Ambas só poderão vir das ruas. Nenhum candidato com
alguma condição de ganhar as eleições burguesas vai pisar no calo do pé da
burguesia brasileira.
Vale
lembrar que o orçamento previsto para o bolsa família é de R$ 27,7 bilhões em
2015. Ou seja, aproximadamente 2% do que será gasto com o pagamento de juros e
amortizações da dívida pública e menos de 1% do orçamento brasileiro. No
banquete do capital, o povo fica com a casca de pão apanhada no chão. Por ser
uma fatia mirrada da peça orçamentária, o petismo manteve e os tucanos devem
manter os programas sociais, que são a camuflagem que o capital utiliza para
confundir as presas e facilitar seus botes.
Aécio,
que é reacionário por princípio, não fará avançar pautas fundamentais como a
descriminalização do aborto, o combate à homofobia e a legalização da maconha.
Por outro lado, estas pautas também não avançaram e não avançarão um palmo com
Dilma, que se aproxima cada vez mais dos setores reacionários da sociedade
brasileira: Kátia Abreu, Edir Macedo, Collor, Sarney. Estas figuras sãos as
primeiras bolachas do pacote petista, se Dilma está com elas, quem está com
Dilma... Chamar voto – crítico ou não – no PT nesta conjuntura, sem que nenhuma
pauta progressista tenha sido oferecida em contrapartida, é confessar
impotência e depor a favor do fim da história.
Há um
dado importante colocado pela última eleição que deve ser explorado. Em 2010, o
Brasil tinha 135.804.043 eleitores². No primeiro turno, Dilma recebeu 35,09%
dos votos e Serra 24,40%. Abstenções, brancos e nulos (ABNs) totalizaram
25,19%. Em 2014, o Brasil está com 142.822.046 eleitores. No primeiro turno,
Dilma recebeu 30,29% dos votos e Aécio 24,43%. ABNs totalizaram 27,17%. Constata-se
que, somados, ABNs novamente ficaram em segundo lugar, na frente, portanto, do
candidato tucano. Além disso, de 2010 para 2014, a votação do petismo diminuiu,
a dos tucanos se manteve e as ABNs cresceram. Quem vencer o pleito deste ano
vai começar seu governo com menos legitimidade. A eleição para o senado e para
as câmaras apresentaram taxas ainda maiores de ABNs. Exemplos: o senador eleito
por SP, José Serra, teve 11.105.874 votos, enquanto as ABNs somaram 12.991.636;
no RJ, para deputado federal, ABNs chegaram a 37,24%; em MG, para deputado
estadual, as ABNs chegaram a 32,10%. Então, se é verdade que foi eleito um
parlamento mais conservador, também é verdade que este parlamento é menos
legítimo que os anteriores. É preciso explorar esse descrédito para fortalecer
a luta direta e as reivindicações dos trabalhadores.
Se
ocorrer, a derrota do petismo não terá outra explicação senão sua incapacidade
de empunhar bandeiras históricas da esquerda. De qualquer forma, muito mais
importante do que a vitória do PT ou do PSDB, é a continuidade e o
fortalecimento da luta direta do povo brasileiro. É nesta que apostamos. Junho
de 2013 foi só o (re)começo. Amanhã será maior!
Outubro de 2014
Espaço Cultural Mané Garrincha
Notas:
1 – Fonte
dos dados sobre a dívida pública e o orçamento brasileiro, respectivamente:
Auditória Cidadã da Dívida e PLOA2015.
2 – Fonte
dos dados sobre as eleições de 2010 e 2014: TSE.
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