Romper os ciclos da violência - Tradução do Editorial da Revista Comunera (México)

Assim como os círculos do inferno de Dante, em sua Divina Comédia, também são os círculos de violência no México, e no mundo, e se classificam segundo o tipo de crime, vítimas, frequência e quantidade de atrocidades. No entanto, os rostos e nomes das vítimas de criminosos, terroristas, farsantes, narco-mafiosos e exploradores, têm uma mesma marca: A do narco-estado e do narco-capital! O inferno é o sistema!
Há ciclos de violência “visíveis”, como os assassinatos, assédios e sequestros de mulheres, jovens e crianças. As lutas e denúncias nos meios de comunicação têm sido marcadas com nomes de tragédias humanas, como feminicídios, assassinatos de jovens e infanticídios.
O mesmo acontece com a criminalização dos migrantes e imigrantes, cujo destino chega a ser a fossa clandestina, o roubo, o sequestro, os estupros, o trabalho escravo, a prostituição, ou ainda quando seus órgãos são retirados e vendidos. Estes “destinos” também são realidade para quem sofre a desapropriação de terras e água, a destruição de suas culturas, o deslocamento de suas comunidades, os massacres, a redobrada exploração dos povos originários, dos pobres do campo e da cidade.
Todos os casos de violência cruzam a questão de classe, gênero,
faixa etária, etnia, cultura e a vida em cada região. Como, então, nos deter em um caso sem olhar para o outro, se os círculos se comunicam tanto entre oprimidos como entre opressores? Menos visíveis, porém contundentes, são as agressões contra aqueles que transmitem a informação: comunicadores de meios comerciais ou livres; ou os defensores dos direitos humanos.
O cerco imposto pelos monopólios dos meios de comunicação, em cumplicidade com o governo, é pouco a pouco rompido por ambos os grupos. Eles criam redes sociais e, alguns, se vinculam a outras vítimas desse terror sistêmico; uns auxiliam à comunidades e povos, outros a coletivos feministas, a grupos que lutam pela paz e a redes juvenis e culturais. Isso mostra maneiras de construir redes de defesa contra o sistema de terror. No entanto, o terror de um Estado, incapaz de ganhar consenso entre a população, quando vê que estes resistem e crescem, tende a converter a todos os grupos oprimidos em objetos da repressão seletiva ou em massa de lutadores sociais: são os milhares de pres@s, perseguid@s, desaparecid@s e masacrad@s por razões políticas. A repressão neste século não tem índices legais, porém inventa leis para ferir aos seus opositores. E para que faça valer sua vontade une polícia e juízes, de todos os níveis, às forças de segurança, controle de massas, centros de espionagem, forças armadas oficiais e aos paramilitares. Estes últimos, treinados, ou não, por forças do Estado, operam ao seu lado ou servem às empresas para garantir seus negócios, roubos e depredações. Muitos são os governantes que utilizam, com despreparo, a grupos policialescos, não apenas assassinos pagos, como aqueles dos múltiplos cartéis, mas também, como em algumas regiões, à organizações fascistas como Antorcha Campesina1. Diante disso se acumula uma longa história de respostas populares, desde a ampla luta pela liberdade de presos e apresentação de desaparecidos, até a defesa comunitária, de bairros, de grupos juvenis e de mulheres, assim como o rico trabalho solidário cultural, jurídico e comunicativo.
Desde 27 de setembro de 2014, pais, mães e companheiros dos secundaristas de Ayotzinapa2 assassinados e desaparecidos em Iguala, estão sendo os protagonistas que unificam as forças populares e que se propõem a ir além do lamento e do medo. A consigna de Buscar a Verdade e a Justiça por nós mesmos como povo organizado, sem confiar no Estado, se tornou uma bandeira comum. Se nem todos lutam por aqueles que caíram, há sim exemplos de quem luta, se afrouxa a corda de medo do castigo e muitos optam por se defender.
É crescente a rebeldia contra o sistema de terror do Estado, que usa da violência para dar sobrevida ao capital, ao patriarcado, ao racismo e às opressões, mas é necessário mais.
(tradução de Daniele Oliveira e Deusane Soares)

1 Organização política mexicana, fundada em 1974 por professores e estudantes universitários e campesinos. Suas lideranças são acusadas de apoderar-se de casas e propriedades, vendendo-as e adquirindo riquezas por estas práticas. Adquirem do governo favorecimentos. A Antorcha é acusada de ser braço do partido PRI do presidente Peña Nieto e há denúncias de assassinatos de seus membros.

2 O Massacre de Iguala ocorreu em 26 de setembro de 2014, quando 43 alunos da Escola Normal Rural Raúl Isidro Burgos em Ayotzinapa desapareceram na cidade de Iguala, Guerrero, no México. Hoje se comprova que os 43 estudantes foram sequestrados, mantidos em cativeiros e executados sumariamente. O prefeito e sua esposa são os principais acusados, o que evidencia quadros do narcotráfico no governo. Os jovens dessa escola já haviam participado de vários protestos contra o governo.

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