20 DE JUNHO: UMA LIÇÃO A SER EXTRAÍDA


Careca sangrando, depois de agredir militantes de esquerda
A imagem de um careca com a cabeça sangrando, vítima do conflito na Avenida Paulista na cidade de São Paulo no dia 20 de junho, torna-se um elemento simbólico na luta de classes no Brasil, não porque consegue relacionar violência e Esquerda, mas por ter posto em campo uma ação coordenada entre segmentos fascistas (skinhead’s, neonazistas, nacionalistas, serviço de inteligência da polícia) e grandes meios de comunicação[1].
O referido careca, um skinhead oculto sob o manto da bandeira nacional, em nenhum momento foi apresentado por tais meios enquanto figura violenta, homofóbica, racista e partidária do estrangeiro fuhrer, mas apenas enquanto um brasileiro indignado com a corrupção no país e cujos atores são os políticos e seus partidos que corroem a nação. Assim, podemos dizer que a Direita, legal e ilegal, retomou com todas as forças a luta de classes no cenário nacional. E dizemos nacional porque ações similares foram constatadas em outras partes do país[2]. Sim, logo ela, a velha Direita acostumada a propagar o fim da História, ressuscitou aquilo que até então ela mesma havia enterrado. Que a luta de classes seja bem vinda entre nós.
Quanto aos partidos, sem dúvida, em recente pesquisa quatro de cada cinco brasileiros os vêem como forma de roubalheira e meio fácil do sujeito se dar bem a custa do bem público. Por sua parte, uma massa despolitizada coloca no mesmo nível qualquer agremiação partidária, seja ela de Direita ou de Esquerda. Não bastasse isso, o PT, com sua bandeira vermelha e comumente identificado como de Esquerda, estando na gerência do Estado – nação há uma década, envolvido em corrupção, ao ter presença no ato do dia 20, somente poderia atrair para si e para quem dele estivesse próximo, toda carga de desprezo e ódio. Com suas bandeiras vermelhas, os partidos menores, todos eles envolvidos nos embates da luta de classes no país, seriam o alvo físico, o PT o alvo propagandístico de uma Direita que visa desde já às eleições de 2014, por isso ela soube se valer do desgaste do governo Dilma advindo das turbulências das ruas desses dias[3].
Dito isso, cabe uma pergunta: quem foi o maior perdedor no fatídico dia 20 de junho? Sem dúvida que foi a Esquerda, dirá o pensamento conservador. Conclusão apressada, diremos nós...
Claro que foi terrível para as forças de Esquerda ficar acuadas, na iminência de um possível massacre. Claro que foi ainda mais terrível para essa Esquerda ser escorraçada por uma massa inflamada que gritava ‘fora partidos’, tomava suas bandeiras e hostilizava seus militantes, agredindo-os com o próprio mastro da bandeira arrancada de suas mãos. Com certeza, a dor moral ali foi maior que a física, pois alguém de Esquerda ser expulso pela massa que ele diz defender é algo incomensurável. Não obstante, ousamos dizer, foi a Direita que perdeu.
E perdeu porque, ainda que não partidário, o segmento impulsionador que tomou as ruas de São Paulo e fez tremer o governador[4], irradiou esperança e colheu solidariedade por todo o país e nas mais variadas partes do mundo, o Movimento Passe Livre (MPL), autodenomina-se de Esquerda. Horizontal, mas de um horizonte à esquerda. “Apartidário, mas não antipartidário”, segundo seus próprios expoentes. Perdeu essa Direita porque pegou carona em um movimento posto na rua e o canalizou contra a corrupção, em que pese anteriormente ela ter tentado de todas as maneiras fazer dessa bandeira seu porta-estandarte[5] e somente agora, após valer-se da indignação da massa, pôs na conta do PT a dívida na qual ela também é devedora. Virando o bicho pelo avesso, estamos diante de uma Direita incapaz de criar seu próprio movimento, que não ousa levantar sua própria bandeira, apesar de todos os instrumentos ideológicos a sua disposição. Perdeu essa Direita porque seus instrumentos de governar[6], com sua democracia aparente, estão desacreditados frente à massa, ainda que essa mesma massa rechace (e ainda muito mais!), o braço militar dessa Direita: as Forças Armadas. Perdeu essa Direita porque vimos nascer um movimento reivindicatório contra o aumento de meros 0,20 centavos nas tarifas de transporte público na cidade de São Paulo aos poucos transbordar para reivindicações como saúde e educação entre outras exigências dessa massa manifestante. Mas não se parou aí, uma vez que a truculência do provinciano, ocupante do Palácio dos Bandeirantes, ao tratar toda manifestação como caso de polícia fez com que o conflito saísse dos limites meramente econômicos e ganhasse um conteúdo político[7], onde as massas perceberam que podem fazer política ao tomar as ruas e não ficar reféns do direito de voto de tempos em tempos e que nada resolverá para seus interesses mais prementes. Perdeu essa Direita exatamente porque o poder de mobilização que tal movimento demonstrou, com milhares de pessoas por todo o país, é um indicativo das batalhas futuras que virão, já que essa mesma Direita, com seu capitalismo em crise em nível mundial, nada poderá atender àqueles que agora descobriram a força que têm: o poder das ruas! 

Mas, e a Esquerda, ela também não perdeu? Sim, ela perdeu e precisa perder muito mais. Ela precisa perder sua fantasia legalista calcada no Estado de Direito. Perder sua ilusão forjada nas boas-novas de seu mero e messiânico panfleto. Perder a moralidade cultivada por anos no lodo da democracia burguesa cujos fios de seu sindicalismo burocrático, seu movimento estudantil manobrista e seu fundo partidário oportunista, entrelaçam-se e prepara sua própria forca. Perder sua futricagem, sua disposição para uma guerra intestinal constituída em um universo só seu e que em última instância desmoraliza a ela toda de conjunto, afastando os parcos militantes para o limbo de uma vida em letargia. Tudo isso são perdas necessárias e que o calor das ruas em movimento começa a lhe ensinar. Que ela perca mais. Assim o desejamos.
Mas, ela tem algo a ganhar? Sim, e muito! A Esquerda tende a ser depurada e seus melhores indivíduos apontarão para um tipo militante diferente ao que estamos acostumados a ver em ação desde os primórdios dos anos oitenta na figura de asseclas como Luis Inácio Lula da Silva, um fanfarrão que se acostumou a falar bobagens em portas de fábrica para depois receber tapinhas nos ombros da canalha patronal até chegar ao cargo de presidência da República. Ela poderá ganhar em ousadia ao deixar de fazer coro com pequeno-burgueses assustados com a violência que grassa o país, se aproximar do povo em um trabalho efetivo e aprender a canalizar essa violência contra quem que lucra com o medo: a burguesia parasitária desta terra. Ela poderá ganhar em autodefesa forjando unidades de jovens que pela teoria possam cultivar a mente e pela disciplina do corpo façam das ruas seu palco de guerra de classes. Ela poderá ganhar em ação contundente ao priorizar o movimento de massa em vez de sua mítica bandeira, pois só de uma massa em movimento é que podemos falar de um processo real, maior que uma dúzia de programas e capaz de empunhar seriamente uma bandeira que seja expressão de seu objetivo maior: a Revolução! Ela poderá ganhar em mobilidade ao aprender combinar horizontalidade e centralidade, onde, na discussão conjunta e horizontal, o que importa não é o tamanho do aliado, mas, sim, sua firmeza e tenacidade na luta contra o inimigo comum de classe. Onde toda ação, após a discussão de conjunto, deva ser coletivamente traçada para ser impulsionada à frente contra o mesmo inimigo, portanto, onde os esforços dos resultados obtidos de conjunto são centralizados pela ação de todos, mas nunca por uma direção acima e a parte do próprio movimento, pois isso leva ao desrespeito para com aquele que junto ajuda a criar condições para se ir à luta. Por fim, a Esquerda brasileira, se acaso ela quiser honrar seu posto, deve aprender a perder em seu hoje, para ganhar em seu amanhã. Já, a Direita, as ruas o tem demonstrado: o sepulcro a espera!
Inverno de 2013,
Espaço Cultural Mané Garrincha
espacogarrincha.blospot.com




[1] Dessa mesma passeata tivemos informação que uma militante de Esquerda quase foi morta, não obstante, polícia e meios de comunicação nada viram. Por sua parte, o skinhead foi socorrido pela polícia e de dentro do veiculo policial, o mesmo havia dito ter a certeza de que um petista o agredira. Claro, citar um petista aqui, diferentemente de citar um militante de um pequeno partido de Esquerda, implica em colher votos em futura eleição de um povo ordeiro, que não quer a suposta violência que um PT ainda possa propiciar.
[2]Assim, nessa mesma data em Uberlândia, uma massa ostentando a bandeira nacional, cujo hino reporta ao penhor dessa igualdade, hostilizaria um grupo de sem-tetos desejosos de participar da manifestação. Essa massa de um Brasil embranquecido e bem alimentado não queria ver em sua passeata, diferentemente dos participantes que deram início aos protestos e enfrentaram o aparato policial, nada que a fizesse lembrar que essa terra se fez com o sangue e suor, com a pele e músculos de negros e índios ao longo desses quinhentos anos, por isso gritavam: “fora sem-tetos”.
[3] Em poucos dias, Dilma Rousseff, viu seu castelo de areia ruir, com ele, quase trinta pontos da aprovação social de seu governo em menos de um mês. Claro que enquanto chefe da nação os holofotes da política estiveram mais voltados para ela neste momento. Entretanto, políticos de toda agremiação, sendo base de sustentação ou não de seu governo, sofreram reveses, como aponta as recentes pesquisas de opinião pública. 
[4] Pegos de surpresa por um movimento distinto das agremiações tradicionais e legalistas do movimento sindical e estudantil, o PSDB de Geraldo Alckmin e o PT de Fernando Haddad, que há anos revezam na gerência do Estado - nação e de suas unidades federativas, superaram momentaneamente suas divergências, unindo-se (pelo medo!), contra um movimento que tomava as ruas de São Paulo e colocava em xeque a arrogância desses governantes.
[5] A tentativa de se criar no país um movimento anticorrupção, descolado das necessidades básicas da população, tem sido um esforço de seguimentos das famílias burguesas encasteladas em partidos como o PSDB, uma vez que, como já havíamos salientando em outros momentos, as emergentes famílias burguesas engendradas pelo petismo no gerenciamento do poder comem fatias do bolo capital que as primeiras, gulosamente, querem somente para elas. Essa briga entre velhas e novas famílias burguesas nada poderá atender as necessidades dos trabalhadores.
[6]  Neste caso, restringimo-nos apenas ao poder Executivo e Legislativo, já que o Judiciário ganhou uma sobrevida através da condenação dos réus do denominado Mensalão. Aqui, podemos dizer, o PT faz história mesmo quando não o quer, e com isso deixa a burguesia nacional com mais essa dívida para com ele, pois o grosso de petistas que compõe o tal Mensalão, ao dar brecha para o Judiciário condená-los, principalmente na figura de Joaquim Barbosa, salvou moralmente essa instituição burguesa.
[7] Curiosa e ilustrativa idiotia, já que ela revela não só o provincianismo do governador em questão, mas também o das famílias burguesas paulistas, como a dos Frias, proprietários do jornal Folha de São Paulo e as famílias burguesas da nação em geral. Em seu editorial do dia 13 de junho, Folha de São Paulo exigiu pela manhã o que condenou à tarde, a saber, a violência policial que atingiu sete de seus funcionários, inclusive fazendo com que um dos jornalistas perdesse uma das vistas e outro quase tivesse a mesma sorte. Ao mudar sua posição, atacando a selvageria e despreparo dos policiais, Folha de São Paulo trouxe à tona o espírito medíocre que grassa a história nacional, cuja República foi somente constituída para atender os interesses particulares das famílias endinheirada dessa terra, tão mãe gentil com elas, tão madrasta com os famélicos da mesma terra. Claro que os jornalistas são trabalhadores dessa empresa, mas, ainda assim, o espírito corporativista de família aqui se fez notar.

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