Boneca de Maria e Clara


Queria ter uma boneca. Há muito Maria queria ter uma boneca. O desejo de ter um brinquedo de borracha ou de pano aumentou depois que pariu a pequena negra, Clara. Imaginava que a dor dos dias na rua seria menor se pudesse ter a companhia de um brinquedo para a filha, que, com quatro anos de suja vida, só havia sorrido com latas de alumínio e bitucas de cigarro, que encontrava pelo chão da calçada onde crescia.

Maria via nos pequenos-primeiros dentes de Clara a sua esperança. Desejava vê-la sempre sorrindo, com aquelas pequenas gotas de vida ainda na boca. “As latas de bebidas e os cigarros não alimentam o sorriso sincero”, julgava assim a mãe de Clara, a nossa mãe. Precisava de um brinquedo de verdade, desses que no natal e no dia das crianças ela via exposto nas vitrinas.

Sempre lhe faltava algo...

Antes de descobrir isso, por curiosidade e muito encanto, se aproximou de uma grande loja onde havia muitos dos seus sonhos... a moça que fazia o atendimento dos clientes e sorria para muitos, de soslaio mantinha os olhos em Maria e o rosto em mescla de indiferença e nojo.

- Moça, quero um brinquedo de boneca, pra Clara.

A atendente com o rosto congelado se manteve em silêncio.

- Moça, quero um brinquedo de boneca, pra minha pequena Clara.

- Não tem! Respondeu de modo a desfazer-se rapidamente do incomodo das ruas.

O desejo de Maria, com suas dores, entendeu que a sua vida não tem brinquedo e que sorrir não é fácil. Deixa a calçada de frente a loja, caminhando pelo pensamento em Clara... em seus dentes... em seu sorriso...

Poucos horas após ter visto que tem e ouvido que não tem boneca em loja de brinquedo; a nossa mãe ouve cantos, vê olhares de pessoas entusiasmados nas ruas, nas calçadas, na sua morada. Manifestação. É difícil, quase impossível, o narrador que vos conta decifrar todos os sentimentos que tivera nesse momento a nossa Maria, os sentimentos foram dela.

Maria?!

Maria?!

Maria?!

...quando Maria se deu por si, estava em frente à loja que havia se negado a ela; com uma boneca do tamainho de sua pequena Clara, em seu colo... Não estava sonhando. Mas para ter certeza passou uma das mãos nos olhos, estava acordada, assim como as outras pessoas que saiam da loja com as coisas que lhe eram desejo. Maria, a nossa mãe, parada, com a boneca... não viu nada do que acontecia, não poderia ver além do sorriso que imaginava exalando de sua pequena Clara, via Clara sorrindo... abraçada a boneca do seu tamanho, como se abraçasse a uma irmã...

Uma! Três! Cinco! Bombas moralizantes explodem ao lado de Maria; nossa mãe cai.

Escuridão...

Escuridão...

Escuridão...

Quando Maria se recompõe da queda e a noite vai se clareado nota seu joelho ralado em sangue. A boneca sumira.        

ser jiló 

                                                           Inverno de 2013

Nenhum comentário:

Postar um comentário